Obsessão com o Paraguai causou atrasos

Em 1952 não havia mais o risco da Argentina nazista tomar o Brasil, mas Vargas (com Morínigo em pôster de 1943) insistiu em fazer rodovia no Paraguai mesmo depois da queda do general via Revolução Colorada (1948), atrasando a Ponte da Amizade

Com a posse do governador Bento Munhoz da Rocha Neto, em janeiro de 1951, que representou a volta da família ao poder no Paraná, ocorre também o pleno resgate político do clã Camargo, com a ascensão do presidente da Câmara de Curitiba, o médico Mário Afonso Alves de Camargo, ao comando da Prefeitura da capital, no ano seguinte.

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As famílias Munhoz e Camargo, cujas ligações começam remotamente nos tempos imperiais, é um fio condutor que percorre ininterruptamente dois séculos de história política no Paraná.

A formação do clã começa na primeira metade do século XIX, quando o adolescente Antônio de Sá Camargo (1808−1896), futuro Visconde de Guarapuava, filho de Antônio Joaquim de Camargo, povoador dos Campos Gerais, é enviado pela família ao interior ainda dominado pelos índios para iniciar uma fazenda.

“Ainda muito jovem, seu pai lhe confiou a administração do estabelecimento pastoril fundado em Guarapuava. Em 1827, com apenas 19 anos” (Luiz Romaguera Netto, Gertrudes e o padre Camargo).

Lá ele viria se consagrar como o grande comandante da construção do centro do Paraná. Os Camargo a partir daí construíram fortuna e poder, associados aos Munhoz, tendo assumido o controle do Paraná em 1916 e o mantendo até a revolução de 1930.

Foco na futura BR-277

Duas décadas depois, retomavam seu fio de poder com Bento e de várias formas se manteriam sempre no centro das decisões durante todo o século XX.

Antes de ser destituído em 5 de outubro de 1930, o governador Affonso Alves de Camargo se empenhou em complementar a ligação rodoviária entre o litoral e a fronteira com o Paraguai.

Em 1919, quando a considerou concluída, foi um dos três primeiros a percorrê-la de automóvel de ponta a ponta.

“O empresário Miguel Matte fez todo o percurso com seu automóvel, ao longo de 72 horas. O prefeito de Foz, coronel Jorge Schimmelpfeng, também percorreu a Estratégica em toda a sua extensão, viajando com seu automóvel Ford desde Santa Helena até Curitiba” (Alceu A. Sperança, 150 Anos de Governança Paranaense).

Logo em seguida, o governador Affonso Alves de Camargo cumpriu o percurso em uma histórica visita de inspeção aos portos do Rio Paraná, em companhia do prefeito iguaçuense.

Como se viu em “O enredo da BR-277 na trama geopolítica” (https://x.gd/5Z1EY), no período da II Guerra Mundial a espionagem brasileira em Buenos Aires informou que a Argentina estava inclinada para o nazismo e pretendia dominar o Brasil quando/se Hitler dominasse o mundo.

O projeto geopolítico

Como o Paraguai sonhava com o acesso ao mar, oferecer essa conquista ao país vizinho poderia garantir o apoio do governo guarani em caso de um conflito com a Argentina de Juan Domingo Perón.

Não são isoladas, portanto, as histórias da futura BR-277, da colonização da Rota Oeste (projetos de empresários gaúchos iniciados entre Cascavel e Foz do Iguaçu) e da Estrada de Rodagem Coronel Oviedo e Porto Presidente Franco, no Paraguai.

Plenamente interligadas e parte do projeto geopolítico brasileiro de tirar o Paraguai do controle argentino, havia dois inimigos ainda piores que Perón embaraçando o projeto brasileiro: aqui, as chuvas que arruinavam os trechos mais problemáticos da Rodovia Estratégica; no Paraguai, a instabilidade política, com pertinazes ameaças de golpes militares.

A Prefeitura de Foz do Iguaçu tentava fazer a sua parte, apesar dos recursos escassos. Com a obrigação de administrar todo o Oeste paranaense até 1952, procurava melhorar as estradas contando com o apoio – e o interesse direto – das equipes de mateiros das empresas de colonização.

Era fundamental para o enraizamento dos sulistas no Oeste organizar o poder político nas sedes dos projetos de colonização. Nesse sentido, em julho de 1952 o prefeito Francisco Guaraná de Menezes, já sem as responsabilidades sobre os distritos de Cascavel (Toledo incluso) e Guaíra, que haviam se tornado municípios, sancionou lei criando três novos distritos, com sedes nas vilas de Gaúcha, Medianeira e Matelândia.

Estimular a colonização 

Gaúcha era o nome da colonizadora. Negativizado pelas violências cometidas contra posseiros, a denominação foi depois santificada: passou a ser São Miguel do Iguaçu, com base em uma lenda.

A lei determinava que as delimitações de cada distrito estariam “de acordo com as linhas limítrofes de cada companhia colonizadora”, com instalação prevista para 1º de janeiro de 1953.

A criação dos distritos estimulava as colonizadoras, animava os corretores, ampliava a propaganda de suas terras junto às clientelas do Rio Grande do Sul, às voltas com a minifundiarização decorrente do parcelamento de terras por herança entre famílias de imigrantes com muitos filhos, e de Santa Catarina, além das proles numerosas também pressionadas pelas restrições produtivas da topografia acidentada.

Mais famílias chegando representavam mais gente trabalhando na conservação dos troncos principais de estradas, dentre os quais a futura BR-277, até porque os colonos com menos posses se comprometiam a trabalhar para as colonizadoras em serviços como a abertura e manutenção de caminhos.

Duas eleições em Cascavel 

Cascavel, com o Município já criado e a comunidade envolvida na campanha dos partidos pela conquista da Prefeitura, com eleições marcadas para 9 de novembro, animou-se em agosto com uma eleição prévia que teria influência posterior sobre o pleito municipal.

Foi a eleição da quarta diretoria do Tuiuti Esporte Clube, que tomaria posse no dia 25, nos festejos do 3° aniversário do clube, e dela participaram algumas das principais lideranças políticas da época.

Quatro dos eleitos em 10 de agosto no Tuiuti também seriam vitoriosos em 9 de novembro para a Câmara Municipal: o presidente, Adelino André Cattani, o vice-presidente Adelar Bertolucci, o segundo-tesoureiro, Antônio Massaneiro, o subdiretor de esportes, Helberto Schwarz, e o treinador do time de futebol – Dimas Pires Bastos, que seria o primeiro presidente da Câmara.

Os demais dirigentes eleitos em agosto também eram figuras públicas influentes, a começar pelo orador, Sandálio dos Santos: o primeiro-secretário Paulo Rodrigues Dodô Pompeu; o segundo-secretário, Agenor Miotto; e o primeiro-tesoureiro, Joel Samways. 

Também os membros da Comissão de Esportes eram personalidades destacadas na política e na comunidade: Horácio Reis, Álvaro Jorge de Oliveira Lemos, Aurélio Borges, José Piaia e Clary Boaretto.

O coronel foi contra

Foi também em agosto de 1952 que o presidente Getúlio Vargas nomeou o coronel José Rodrigues da Silva para integrar a Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia que iria projetar a construção da Estrada de Rodagem Coronel Oviedo – Porto Presidente Franco.

Benquisto em Cascavel, primeiro chefe da Comissão Construtora de Estradas de Rodagem para o Paraná e Santa Catarina, instalada em julho de 1941 para construir a rodovia federal de primeira classe Ponta Grossa–Foz do Iguaçu, o coronel José Rodrigues da Silva sempre esteve ligado ao projeto geopolítico, embora não visse utilidade nele.

Em 1944, ainda como chefe da CER-1, ele já rejeitava torrar no Paraguai recursos da Comissão PR-SC que poderiam apressar o cumprimento da missão de construir a rodovia de primeira classe. 

Em relatório secreto enviado à Diretoria de Engenharia do Ministério da Guerra, estimou que a obra não teria utilidade para o Brasil do ponto de vista econômico porque “uma rodovia ligando Assunção ao Rio Paraná em Porto Franco favoreceria a Argentina, tanto mais que no Rio Paraná há vários portos argentinos (Aguirre, Posadas, Corrientes etc)”.

A seu ver, “não se justificaria que o Brasil pagasse as despesas de construção de uma estrada que, longe de lhe ser útil, favoreceria apenas um concorrente estrangeiro”. A rodovia seria importante para o Paraguai, em todos os sentidos, mas para o Brasil não haveria vantagens.

General paraguaio avisou

Do ponto de vista militar, para Rodrigues, a rodovia paga pelo Brasil no interior do Paraguai só ajudaria a Argentina a ter acesso mais rápido e qualificado ao território brasileiro.

O projeto, para o coronel brasileiro, teria uma única vantagem: a espionagem. Para ele, não haveria nenhum inconveniente “em proceder aos estudos, tanto mais que será uma ocasião de obtermos conhecimento possivelmente úteis sobre uma região estrangeira fronteiriça”.

O embaixador brasileiro no Paraguai, Francisco Negrão de Lima, informou a Rodrigues que “o próprio presidente atual do Paraguai, general Higino Morínigo, lhe declarou que não podia fazer uma política inteiramente brasileira porque, se assim fizesse, a Argentina o deporia”.

O governo brasileiro, portanto, estava informado sobre o temor do líder paraguaio de ser deposto caso o Brasil insistisse em sua geopolítica de absorção do Paraguai, substituindo a Argentina como sua controladora.

De fato, em 1947 houve a Revolução Colorada e o temor do general Morínigo se confirmou, com sua deposição em 1948.

Também deposto (1946) e de volta à Presidência em janeiro de 1951, Getúlio Vargas retomou a geopolítica para o Paraguai nomeando em agosto de 1952 o coronel José Rodrigues da Silva para fazer estudos sobre a viabilidade da rodovia dentro do Paraguai.

Ponte, só com colonização e civilização

Nessa época também estava em discussão um antigo projeto de Bento Munhoz (1949) quando foi deputado federal: a construção de uma ponte internacional em Foz do Iguaçu.

Retomado pelo deputado paranaense Ostoja Roguski (1913–1972), o projeto pretendia a ligação com a Argentina pelo Rio Iguaçu, mas recebeu propostas de alterações para que a opção, nos termos da geopolítica planejada, fosse o Paraguai.

Informe reservado do Estado Maior das Forças Armadas observava que a ligação pelo Rio Paraná com o Paraguai seria “mais lógica” no sentido de “trazer o Paraguai para a influência brasileira”.

Lógica, mas não aconselhável: obras como essa, afirmava o Estado Maior em informe ultrassecreto de fevereiro de 1953, “só devem ser encaradas em regiões onde já tenhamos podido levar os benefícios de uma civilização nitidamente brasileira, por meio de uma adequada colonização e ligações rodo, ou ferroviárias, para o interior do País”.

A região de Foz do Iguaçu, afirmava, “não atende a esse desiderato, por isso que, afora a ausência de uma colonização adequada e de outros índices de civilização, não dispõe, ainda, das necessárias comunicações rodo, ou ferroviárias, com o interior, o que só se verificará dentro de algum tempo, quando a rodovia Ponta Grossa – Guarapuava – Foz do Iguaçu chegar a bom termo”.

Portanto, apressar a colonização era o caminho certo, mas a teimosia em construir uma rodovia no Paraguai descuidando das obras no interior do Brasil atrasou a ponte internacional em dez anos e até hoje a ferrovia ainda não alcançou Foz do Iguaçu e Guaíra.

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