Os dois monges e o Cometa de Halley

O Cometa de Halley, o monge Miguel Lucena (José Maria) e o governador Francisco Xavier, cujo apelido era “Monge”

Para compensar as traições e trapaças sofridas pelos imigrantes no passado recente, a criação de núcleos coloniais com estrangeiros no interior do Paraná foi condicionada pelo governo de João Cândido Ferreira a uma localização privilegiada, até com a intenção de facilitar o escoamento dos produtos agrícolas para o crescente mercado consumidor.

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Quanto às condições produtivas, deveriam ser terras de “fertilidade natural”, com abastecimento de água permanente e topografia suave para permitir a lavoura mecanizada. Os lotes, de 20 a 25 hectares, podiam ser pagos à vista ou em cinco anos, neste caso somente para imigrantes com família.

A competência no desenvolvimento do lote colonial e “boa conduta e dedicação ao trabalho e à família” quitariam automaticamente as duas últimas prestações, determinava o regulamento.

Essa regra deixava os imigrantes na condição de reféns do julgamento das autoridades, mas o Paraná voltava a ser atrativo aos colonos estrangeiros.

Sob o império do capital estrangeiro

Nesse contexto de novos estímulos à imigração, a Compañia Maderas del Alto Paraná teve funcionamento autorizado pelo governo federal em 18 de julho de 1907. Seu representante era o coronel Jorge Schimmelpfeng, ligado a Hilary Howard Lang, administrador da corporação inglesa The Alto Parana Development Co Ltd, da qual a propriedade no Brasil era uma ramificação.

Um mês depois, a empresa titulava a área de 251.438 hectares do imóvel “São Francisco”. A propriedade tem formalmente a motivação colonizadora, mas o interesse real estava na exploração da abundante erva-mate e da imensa reserva florestal.

O capital estrangeiro dá as cartas. Em 1908, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo−Rio Grande passava ao controle da empresa Brazil Railway, com sede no Maine, EUA. Está aí a origem de graves problemas agrários no Paraná.

Os resíduos negativos dessa empresa causaram décadas de permanente sofrimento para os sertanejos que, sem acesso à terra, não tinham como trabalhar, já que toda sua vida e conhecimento estavam ligados às atividades rurais primárias.

Insegurança e medo

A insegurança no remoto interior do Paraná passa a viver uma escalada. “O crime, zombando de toda a ação defensiva e repressiva, campeia e alastra, sob influência de causas múltiplas, antropológicas, físicas ou sociais que, de modo soberano e irrepreensível, imperam sobre os indivíduos e as sociedades” (Pamphilo de Assumpção, advogado, um dos fundadores da OAB/PR, em declaração de 21 de agosto de 1908).

Visto frequentemente nos arredores de Lages, um novo monge “São João Maria” conquistava rapidamente adeptos aguerridos para uma rebelião contra as autoridades republicanas.

Esse monge, que passa a desafiar o Monge, apelido do novo governador do Paraná, Francisco Xavier da Silva, aproveita-se da tradição de bondade e supostos milagres de dois andarilhos precedentes para estimular os protestos dos sertanejos contra a exploração e expulsão que sofriam com o avanço das obras da Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande.

O rei invencível e salvador

A mistura dos sertanejos espoliados e dos trabalhadores abandonados à própria sorte cria um caldo de cultura explosivo. Um novo arraial como Canudos começa a se desenhar.

O desinteresse das autoridades pelo futuro dessa gente, que determinou a expulsão impiedosa dos sertanejos das terras que ocupavam para a construção da estrada de ferro e a exploração madeireira, cria rancor contra os republicanos e, consequentemente, ódio à República.

O sebastianismo, crença em um poderoso e invencível rei que virá para salvar o povo de seus algozes republicanos, preenche de rancor as omissões dos poderes públicos. É na tradição sebastianista que uma encarnação do rei Sebastião e dos monges antigos se torna comandante da redentora guerra santa sertaneja contra a República e suas crueldades.

A ideia de retornar à monarquia está centrada na lembrança bucólica de que os sertanejos no Império podiam viver e praticar suas culturas de subsistência livremente nas matas.

Na República, eles se autointitulam “pelados”. Sentem-se molestados pelos interesses norte-americanos que tomam as terras e os expulsam, respaldados por peludos – os militares da União e a polícia do Estado do Paraná, que garantem aos concessionários estrangeiros a posse das terras em troca da ferrovia.

Assim, o movimento sertanejo liderado pelo “monge” José Maria/Lucena iria agravar a disputa entre os dois Estados e se prestava à estratégia de domínio territorial das autoridades barrigas-verdes.

Cometa de Halley

No início de 1910 houve muito alarde em torno da próxima passagem do Cometa de Halley, que seria em maio. O visitante celeste traria, para os supersticiosos, o “fim do mundo” que não viera na virada do século.

No interior do Paraná houve muito medo, principalmente porque em 1909 ocorreu a terrível “seca dos taquarais”, liquidando totalmente as lavouras. Nesse tempo de estiagem e penúria, vieram vastos incêndios.

Vendendo máscaras de proteção que hipoteticamente protegeriam os consumidores da ação destrutiva do cometa, espertalhões espalharam o boato de que a cauda do cometa era venenosa e ao passar pela Terra iria matar pessoas e animais. Não era difícil, assim acreditar que o mundo estava acabando por causa do cometa.

Além dos vendedores de proteção e cura para os supostos malefícios do Halley, outro oportunista, dizendo-se “profeta”, saía pelas vilas fazendo previsões catastróficas.

Monge capitaliza desgraças

A Colônia Mallet, futura Laranjeiras do Sul, recebeu a visita de um homem baixo, gordo, vermelho, com cabelos e bigodes ruivos.

“Seu nome era Miguel Lucena que aproveitando a fama deixada por João Maria, havia assumido o nome de José Maria. Reuniu os sertanejos e anunciou que haveria uma guerra da qual muito poucos escapariam e para se salvar, era necessário se esconder no mato, alcançar o Rio Iguaçu e atravessá-lo cento e cinquenta vezes como penitência” (João Olivir Camargo, Nerje).

Os sertanejos crédulos reuniram as famílias e partiram em direção ao rio. Construíam ranchos de taquara nas matas vicinais e esculpiam canoas para a travessia, mas o alimento escasseou logo nas primeiras travessias.

“A ideia de ir de um lado para outro cento e cinquenta vezes foi irritando o povo. Uma estiagem prolongada secou as nascentes de água potável (…) as criações morreram, as crianças, acometidas por desidratação e verminose, começaram a sumir” (João Olivir Camargo).

Entre uma e outra nova travessia do rio, alguns já desconfiavam que a “profecia” do monge era um engodo.

Latifúndio cresce

As desgraças de 1909 não impediram as autoridades de confirmar que o futuro do Paraná estava em suas áreas ainda inexploradas: as matas do extremo-Oeste haviam escapado da destruição, colonizá-la era essencial, como continuar a luta para que Santa Catarina não tomasse o Sudoeste.

Com a habitual justificativa de pretender explorar a erva-mate, a Compañia Maderas del Alto Paraná requereu a compra de mais 22 mil hectares, em operação autorizada pelo governo estadual, medida que ampliava o latifúndio inglês na região.

É nessa época, também, que surge Guaíra, por iniciativa da Companhia Mate Laranjeira (originalmente Larangeira), criada por Thomaz Larangeira e as famílias Murtinho (MT) e Mendes Gonçalves (Argentina).

A Mate Laranjeira tinha sedes no Rio de Janeiro, Paraguai e Argentina, seu principal mercado consumidor. Em suas terras nas proximidades das Sete Quedas a empresa fundou o Porto Monjoli e em seguida, abaixo dos saltos, o Porto Capitão Mendes Gonçalves (Porto Mendes).

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