Os filós dos aeronautas e das Cataratas

José Rufino Teixeira, primeira sede do Tuiuti Esporte Clube e João Arquelau Soares. Abaixo, família de Foz do Iguaçu confraternizando nas Cataratas

O filó, desde a antiguidade, era o fio de linho, que resulta em um tecido forte, bonito e confiável. A palavra, com o tempo, veio a designar outros tecidos igualmente apreciados, até obter seu sentido figurado mais brilhante: a força, a beleza e a confiabilidade da união entre amigos.

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Foi assim que na tradição dos imigrantes o termo filó veio designar a reunião de vizinhos para combinar ações, celebrar ou simplesmente conviver em tempos nos quais ainda não havia clubes sociais.

“A informalidade do filó era uma iniciativa das famílias para atividades conjuntas, mas os jovens queriam mais. Esportes, por exemplo, que exigem uma organização mais específica e complexa que as simples reuniões caseiras. Por sua vez, os recém-chegados jovens militares, com saudades de suas regiões de origem e das capitais nas quais foram preparados para cumprir missões no vasto interior brasileiro, ansiavam por mais atividades sociais, como bailes e teatro. Como nem tudo poderia vir do Estado, no final da década de 1940 havia chegado a hora de unir a comunidade em torno de algo maior que o filó: um clube social” (Regina e Alceu A. Sperança, Tuiuti, a Presença Azul).  

Ele surgiu em Cascavel no dia 25 de agosto de 1949, confirmando que uma das grandes contribuições dos imigrantes e seus descendentes foi multiplicar pelo País afora as associações recreativas e cívicas.

O aviso de que haveria uma reunião das lideranças da comunidade cascavelense no Hotel Pompeu dos Reis para organizar uma nova sociedade naquele 25 de agosto de 1949, Dia do Soldado, gerou um clima de ansiosa expectativa.

Os 35 líderes comunitários – entre os quais uma única mulher, Maria Maceno – acomodaram-se para ouvir a palavra do sargento José Rufino Teixeira, escolhido para presidir a reunião que resultaria na fundação do Tuiuti Esporte Clube. 

Ninguém ainda pensara neste nome: só a data comemorativa ao Dia do Soldado havia sido determinada previamente pelos militares da Aeronáutica para ser o encontro de fundação da sociedade. 

Era natural que o primeiro presidente fosse o sargento Teixeira. Mas, por humildade, não concordou em presidir a sociedade, indicando o nome de seu superior hierárquico no posto do Correio Aéreo e também entusiasta das atividades clubísticas: o primeiro-sargento João Arquelau Soares. 

Tudo aconteceu na vida de Teixeira com muita rapidez. Nascido em Balsa Nova, próxima a Campo Largo e Araucária, ele servia à Aeronáutica em Curitiba como segundo-sargento radiotelegrafista quando foi designado para compor o efetivo do posto da Força Aérea Brasileira criado em Cascavel.

No final dos anos 1940, sede de um importante distrito de Foz do Iguaçu, Cascavel já despontava como cidade importante na região do Médio-Oeste por conta da indústria madeireira, a qualidade da prestação de serviços e seu comércio dinâmico. 

Teixeira aporta nessa ainda pequena cidade com entusiasmo, lamentando, entretanto, aos muitos amigos jovens que rapidamente fez nos filós cascavelenses, que não havia uma sociedade esportiva e recreativa para o lazer da juventude depois de um dia árduo de trabalho.    

Tuiuti, preparação para o Município 

Jovens como Paulo Rodrigues Pompeu, o Dodô, os filhos e genros do madeireiro Florêncio Galafassi pensavam o mesmo e convenceram os pais e demais lideranças da comunidade a concretizar a ideia de criar uma associação nos moldes idealizados pelo sargento Teixeira.

Assim, em 29 de gosto de 1949, presidindo a criação do Tuiuti Esporte Clube, em cujo salão logo germinaria a proposta de criar o Município de Cascavel, Teixeira propôs a composição da primeira diretoria da sociedade: 

Presidente: João Arquelau Soares 

Vice-Presidente: Helberto Schwarz, genro de Florêncio Galafassi 

Primeiro Secretário: Watzlaf Nieradka, chefe do escritório da Comissão de Estradas de Rodagem (CER-1) 

Segundo Secretário: Paulo Rodrigues Pompeu, o Dodô, filho de Manoel Ludgero Pompeu  

Primeiro Tesoureiros: Horácio Ribeiro dos Reis, genro de Manoel Pompeu 

Segundo Tesoureiro: José Bartnik, comerciante  

Departamento de Esportes: Arci Labourdette (contador da Comercial Oeste Paraná Ltda, Copal, ligado à família Dalcanale), Antônio Alves Massaneiro (enfermeiro e farmacêutico) e João Alves dos Santos (professor) 

Orador Oficial: Gabriel Fialho Gurgel (dentista cearense, futuro prefeito de Terra Roxa)

Conselho Deliberativo: Anibal Lopes da Silva (comerciante, professor), João Miotto (comerciante e delegado de polícia) e Emiliano Afonso da Silva (sargento do Exército, doou tereno para a construção do Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Wilson Joffre)

Comissão de Festas: Clary Boaretto (carpinteiro ligado à Copal) e Osvaldo Zandoná (representante da família que iniciou a migração de colonos italianos a Cascavel)

Todos pioneiros oestinos com variadas contribuições comunitárias que no futuro valeriam a muitos deles nomes a ruas em várias cidades e a outros ligações permanentes com famílias locais.

João Arquelau Soares, por exemplo, casou-se com a professora Theonília Pompeu, filha de Manoel Ludgero e Idalina Rodrigues Pompeu.

Nascido em Guarapuava, Soares tinha 31 anos quando foi transferido para Cascavel em 1942, designado para chefiar o destacamento da Força Aérea. 

Na condição de militar, contribuía para com o transporte de enfermos para centros médicos. Na qualidade de cidadão, apoiava e se juntava aos esforços comunitários nas rodas de chimarrão, os filós.

Pouco depois, Teixeira é designado para nova missão em Curitiba, onde morreu prematuramente em 1964, antes de completar 42 anos.  

Domingo nas Cataratas

O filó em Foz do Iguaçu rapidamente saiu dos sítios para um destino muito natural. Quando Agnese Betio Giovenardi chegou à fronteira, naquele mesmo ano de 1949, trazia uma vida de muito trabalho e sofrimento.

Sua família fornecia carnes no interior de Santa Catarina, mas o negócio foi arruinado pela disseminação da febre aftosa no gado. Tentavam a vida em Irati, sem sucesso, quando foram alcançados pela propaganda do Paraná Maior, cujo foco era a ocupação do remoto Oeste, prejudicado pela inércia do Território Federal do Iguaçu.

Agnese, descendente de italianos e gaúcha de Nova Bassano, o marido Antônio Giovenardi e sete dos dez filhos chegaram a Foz do Iguaçu de carona em um caminhão. Os outros três filhos estudavam em seminário, no RS.

Enquanto se alojavam, Antônio já saía atrás de carnes para servir em seu açougue, que também vendia roupas e outros artigos trazidos por camelôs. A “geladeira” para guardar as carnes era o estômago dos clientes, pois não havia recursos frigoríficos.

“Só podíamos abater os animais cuja carne fosse vendida no mesmo dia, ou então para fazer linguiça, salame. A primeira geladeira para o açougue compramos em 1954” (Entrevista a Juvêncio Mazzarollo, jornal Gazeta do Iguaçu).

A família Giovenardi adotou logo ao chegar o hábito de aos domingos reunir-se com os amigos em piqueniques junto às Cataratas. O filó junto aos Saltos de Santa Maria rendeu muitos negócios, decisões para o futuro da região e consolidou a utilização brasileira das Cataratas, já explorada com sucesso pela Argentina.  

Antônio Giovenardi morreu em 1964 e foi um dos formadores da Frimesa (Frigorífico de Medianeira). Um dos filhos de Antônio e Agnese participou da construção da Ponte da Amizade, a serviço da empresa Sotege. 

China, posseiros e Medianeira

Em outubro de 1949 os camponeses comunistas apoiados por militares tomaram o poder na China. A imprensa sensacionalista trombeteava que o Paraná estava entregue à revolta camponesa, tomado pelo banditismo e logo iria virar “uma China”.

Na maior parte da região Oeste, porém, as colonizadoras trabalharam com terras sem contestação camponesa, a não ser por algumas posses que os jagunços das colonizadoras desfaziam expulsando os colonos.

As mortes ocorridas nesse período se deviam à reação dos posseiros aos ataques dos jagunços, escorados pela polícia do Estado. Via de regra, a matança de posseiros era ignorada. 

Na versão oficial, era culpa de quem reagiu à lei e à ordem. Já a reação violenta dos posseiros era anunciada como “banditismo”. 

Foi ainda em terras sem contestação que em 20 de outubro de 1949 começou a colonização de Medianeira, a partir de projeto da Companhia Industrial e Agrícola Bento Gonçalves, sob o comando de Pedro Soccol e José Callegari.

Medianeira brotou da atração de colonos sobretudo de Bento Gonçalves e Guaporé (RS). Em pelo menos dois fatos explosivos no futuro a cidade seria notícia em todo o mundo: com a revolta de posseiros na Gleba Silva Jardim, na atual Serranópolis do Iguaçu, em 1961, e na reabertura à força da Estrada do Colono, em 1997.  

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