Os últimos vestígios do Território do Iguaçu

Manchete do jornal Diário da Tarde, de Curitiba, fazia pressão para recuperar a estrada de interesse para a colonizadora Maripá. O prefeito Júlio Pasa e seu oponente, o médico Dirceu Lopes

O Território Federal do Iguaçu fracassou administrativamente e só burocratas aninhados em suas repartições se queixaram quando a Assembleia Nacional Constituinte o desmontou, em 8 de setembro de 1946, por força do art. 8º do ato das disposições transitórias da nova Carta Magna.

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Desde 1889, Foz do Iguaçu era para os militares e servidores públicos uma versão paradisíaca da Sibéria, para onde os opositores do governo russo eram enviados. Edgard Buxbaum, por exemplo, participara do levante tenentista da Vila Militar que repudiou a eleição de Artur Bernardes para a presidência da República, em 1922. Tido como comunista, foi mandado em 1932 para criar a Companhia Isolada do Exército em Foz do Iguaçu.

Foi para evitar servir em Foz do Iguaçu que os burocratas do Iguaçu rejeitaram a cidade da fronteira como sua capital. Pra rejeitar também Cascavel alegaram que as instalações do Correio eram um rancho caindo aos pedaços. Não pensaram em construir uma casa melhor, só em evitar o isolamento no distante Oeste paranaense.

Tão logo o TFI foi extinto, os poucos servidores federais do TFI que atuavam na região correram para embarcar no primeiro avião que os devolvesse às delícias do Rio de Janeiro, então a capital do país, deixando abandonados um caminhão e um automóvel de luxo que a Prefeitura de Foz do Iguaçu passou a usar.

Apertada pelas reivindicações rodoviárias do Distrito de Cascavel, que desde 1946 também incluía Toledo, a Prefeitura decidiu vender os últimos resquícios do Iguaçu ao pedir à Câmara Municipal autorização para fazer dinheiro com os veículos. 

Dinheiro era matéria escassa nos cofres iguaçuense. Pasa ficou mais de um ano sem retirar o próprio salário na Prefeitura, decidindo não receber nada até que os salários dos servidores municipais fossem pagos.

A autorização para a venda veio em 22 de dezembro de 1950, quando a lei 65/50 autorizou o prefeito Júlio Pasa a abrir concorrência pública para fazer a venda. A Câmara, porém, marcou os recursos, determinando que a apuração da venda fosse usada para a aquisição de um caminhão novo para o Município.

Último a receber e a ter luz

Júlio Pasa foi um divisor de águas à frente da Prefeitura de Foz do Iguaçu. Mais de uma vez nomeado para a Prefeitura na ditadura Vargas, ele era também seria o primeiro de um ciclo de prefeitos civis, mas não teve facilidades na última gestão. menos por conta de suas ligações com o regime vencido do que por se aliar aos adversários.

Descendente de italianos, Pasa nasceu em 8 de fevereiro de 1896 em Júlio de Castilhos (RS) e veio tentar a sorte na fronteira paranaense como pedreiro, em 1918. Participando ativamente na vida na fronteira, foi nomeado por Getúlio Vargas para a Prefeitura logo após a vitória da Revolução de 1930. 

Com as transformações que o país sofria ao retomar a democracia, Pasa também mudou: em 16 de novembro de 1947 ele se elegeu para a Prefeitura nas primeiras eleições diretas do Município, mas pelo partido que era o principal rival de Vargas: a UDN, sigla pela qual também foi eleito vereador e presidente da Câmara Municipal.

Seu principal desafio foi a energia elétrica. Pressionado pelas lideranças de Cascavel e pela colonizadora Maripá, que iniciava Toledo, Pasa se viu forçado a começar resolvendo o próprio problema de energia elétrica de Foz do Iguaçu antes de conseguir aprovação da Câmara para agir em Cascavel.

“Fez questão de deixar seu próprio domicílio como um dos últimos do bairro [a receber energia], para que não lhe coubesse críticas” (Jornal Gazeta do Iguaçu, 28/9/1994).

Pasa, forte ligação com Cascavel 

Com grande senso de humor e diplomacia, Júlio Pasa era um rábula nas horas vagas, defendendo quem precisasse de justiça. Adorava crianças: casado com Isabel Bonini Pasa, teve com ela 11 filhos e adotou outros 6. 

Fornecedor de alimentos para o quartel do Exército, teve atuação destacada na Associação Rural e ajudou o Tuiuti Esporte Clube, de Cascavel, a obter o terreno de sua primeira sede.

Foi para ajudar o Tuiuti que Pasa fez aprovar em março de 1950 a lei 51/50, isentando de impostos e taxas “todas as sociedades ou associações, organizadas ou a organizarem-se, com domicílio e ação dentro do Município, desde que sejam suas finalidades culturais, sociais, recreativas, esportivas ou beneficentes e com personalidade jurídica própria”.

Além das exigências gerais por energia elétrica em todo o Município que no futuro teria Itaipu, o problema que mais dava dores de cabeça em Pasa eram as estradas sempre em mau estado. 

Nesse caso, seu principal desafio foi a urgência da transformação em rodovia da velha estrada ervateira que ligava Cascavel a Porto Mendes, exigência de Cascavel e da colonizadora Maripá apresentada na Câmara Municipal de Foz do Iguaçu pelo vereador João Batista de Oliveira, do mesmo partido do prefeito, a UDN, em 15 de junho de 1950.

Orientado pelo prefeito Pasa, Oliveira fez a indicação apontando até onde estavam os recursos para a estrada, intransitável durante a II Guerra (https://x.gd/IwjH0), só viável nos trechos que interessavam aos colonos com mais recursos, nos quais eles mesmos faziam a manutenção. 

Sem trânsito aos portos, muitos colonos a caminho do Rio Paraná ficaram parados em Cascavel e várias famílias foram convencidas por Jeca Silvério a se instalar em chácaras ao redor da sede distrital.  

Lopes, médico de força política 

“A estrada Cascavel ao Porto Mendes, construída, e até hoje conservada por iniciativa particular, muito tem beneficiado os interesses do Município”, justificava o vereador, eleito pelo Distrito de Guaíra. 

“E agora que está para ser normalizado o serviço regular de transportes coletivos entre esta cidade e Porto Mendes, com escalas por Cascavel, Lopeí, Toledo, Porto Britânia, Rio Branco, Porto São Francisco e Artaza, que muito virá beneficiar o intercâmbio e a aproximação das localidades intermediárias, justo é que o poder municipal, que dessas atividades tira vantagem, coopere e empregue partes de suas verbas na referida estrada, que é de vital importância econômica e social do Município”.         

Os argumentos eram poderosos, mas a maioria da Câmara rejeitou a proposta por interferência do presidente do Legislativo, Dirceu Lopes, avesso aos lobbies de interesses particulares que tentavam desviar recursos para seus negócios.

Uma lenda na fronteira, Lopes foi o primeiro médico a se instalar em Foz do Iguaçu, para onde veio em 1934 com a missão de montar um posto de saúde na cidade em pagamento de um ano de estudos que, sendo aluno pobre, devia à Universidade do Paraná. 

Lopes se instalou numa saleta da Prefeitura e alinhou numa prateleira todo o material que trazia: algumas latas de comprimidos de quinino, para combater a malária, algumas ampolas de óleo canforado e azul de metileno injetável. 

Eram suas armas para enfrentar o mal mais ameaçador e temido da época: o chuncho, como a população fronteiriça chamava a malária, que grassava de forma epidêmica no verão. 

A estrada ficou sem cura

O médico só tinha acesso aos remotos lugarejos onde se “escondiam” os pacientes a cavalo, pois era impossível alcançá-los de automóvel. 

“Era uma verdadeira calamidade chegar a uma residência e encontrar quase toda a família acamada. O que é que podia fazer um triste médico com comprimidos de quinino?” (Dirceu Lopes, depoimento a Ruy Christóvam Wachowicz, Obrageros, Mensus & Colonos).

No entanto, Oliveira contava com o apoio do prefeito e a Câmara até aprovou a indicação, mesmo porque Jeca Silvério, o líder de Cascavel, era suplente de Lopes na Câmara Municipal, ligado ao mesmo PSD do presidente da Câmara, e tinha interesse na obra, assim como Manoel Ludgero Pompeu, definido por Pasa para ser o subprefeito do Distrito de Cascavel.

Pompeu viria a se notabilizar justamente abrindo e melhorando estradas, mas por ora os recursos da Prefeitura acabaram se dissipando em outras obras de interesse mais direto da população de Foz do Iguaçu e a estrada distrital ficaria só a ver navios no Porto Mendes, continuando a contar ainda por algum tempo só com recursos particulares para permitir a passagem de carroças e caminhões. 

O prefeito Júlio Pasa, entretanto, reagiu à derrota na Câmara conseguindo em agosto de 1950 a aprovação da lei 54/50, instituindo o Serviço Rodoviário Municipal, “diretamente subordinado ao prefeito, e com autonomia administrativa e financeira”.

Depois desse embate, o vereador João Batista de Oliveira conseguiu a emancipação de Guaíra, onde também foi vereador, eleito em 1952. Dirceu Lopes não conseguiu conquistar a Prefeitura de Foz do Iguaçu em 1951, quando o eleito foi Francisco Guaraná de Menezes, mas tentou novamente e se elegeu no pleito de 1955.

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