Prefeito tinha funções de xerife e juiz

Eurides Formighieri e a região Norte do Município de Cascavel, delimitada pelo Rio Piquiri

Com prefeitos eleitos pela legenda do PTB, Cascavel (José Neves Formighieri) e Toledo (Ernesto Dall’Oglio) tiveram um desenvolvimento muito diferente após a instalação dos dois municípios, em 14 de dezembro de 1952. 

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Toledo tinha a gestão centralizada pela colonizadora e madeireira Maripá, tanto que o prefeito Dall’Oglio foi cassado logo no início do mandato por se ausentar do Município sem licença e a Prefeitura continuou funcionando sem descontinuidade com a posse do presidente da Câmara, Guerino Viccari.

O governo do Estado viu que os prefeitos dos novos municípios sofriam pressões para intervir nas questões de terras, o que poderia levar a favorecimentos preocupantes.

Dada a ausência do Estado, cabia ao prefeito e vereadores da área ir aos focos de conflito para apaziguar as situações, já que Cascavel e Toledo não contavam com fóruns ou juízes. A diferença é que Toledo não tinha conflitos fundiários.

Sem autoridades designadas pelo Estado para as funções de chefe de polícia e administração da Justiça, os prefeitos recorreriam a parentes e amigos para exercer a liderança política em situações complexas para os juízes de paz, habitualmente limitados a nascimentos, casamentos e óbitos. 

Negociar e depois enterrar

Em Cascavel, o prefeito José Neves Formighieri pôs seu irmão Eurides Formighieri e o primo Mário Thomasi, jovem tratorista da Prefeitura, para suprir as funções de suplentes do delegado de polícia ausente, Antônio Rodrigues de Almeida, eleito em 1951 para a Câmara Municipal de Foz do Iguaçu.

Eurides e Mário precisavam dar tranquilidade ao prefeito para desenvolver suas tarefas e assim não tiveram outra saída a não ser lidar com espinhosos casos de brigas pela terra entre jagunços e posseiros. 

“Na época, o delegado era nomeado em Curitiba e não ficava aqui. Sempre quem assumia era o suplente, o primeiro era o Eurides. Cheguei a assumir como segundo suplente. Em uma ocasião nós fomos até o Piquiri e trouxemos de lá 14 presos e depois vieram de lá dois cadáveres para serem enterrados aqui no cemitério antigo na Rua Rio Grande do Sul” (Mário Thomasi).

Como também cuidava do cemitério, Thomasi se viu na situação de ter que enterrar pessoas com quem horas antes estava negociando uma solução para problemas que ao virar impasses acabavam em tiroteio. 

O cemitério, aliás, era o mais preocupante problema administrativo do prefeito de Cascavel. Invadia a Rua Rio Grande do Sul e interrompia a Visconde de Guarapuava, enchendo-se de sepulcros desde o início da cidade, em 1930. 

Enquanto não fosse definida uma nova área, cabia ao próprio Mário Thomasi abrir mais espaço entre os túmulos para evitar que o campo santo se estendesse até a atual Praça Wilson Joffre.

A nona inspetoria

Devido à premência dos assuntos agrários, ainda na véspera do Natal de 1952 o governador Bento Munhoz da Rocha Neto regulamentou por decreto as atividades do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC).

Criado por lei em julho desse ano, a montagem da autarquia foi pressionado de todos os lados: colonos já assentados, grileiros e migrantes sulinos convencidos pela propaganda das colonizadoras a adquirir terras em  regiões ainda conflitadas entre a União e o Estado, além dos posseiros que vinham em turmas crescentes, desde Manoel Ribas.  

O decreto criou onze inspetorias de acompanhamento fundiário com a função de “zelar pelas terras devolutas de domínio do Estado, exercendo permanente fiscalização a fim de evitar que sejam elas invadidas e devastadas”. 

A história dirá que algumas dessas inspetorias serão assaltadas por grileiros e facilitadores da ação dos jagunços, como a nona das onze inspetorias, instalada em Cascavel.

Sendo o primeiro órgão estadual a se instalar no Município a providência foi saudada com entusiasmo, pois sobretudo no Norte do Município, na região do Rio Piquiri, a terra continuava disputada “na lei ou na marra”, no espírito da Guerra de Porecatu.

O complexo caso do quadro urbano 

Com o imbróglio do cemitério lotado para resolver, o prefeito José Neves Formighieri precisava reorganizar o quatro urbano de Cascavel e para isso precisava do apoio da Câmara, controlada pelo Partido Republicano, do governador Bento Munhoz da Rocha e do candidato derrotado na eleição de 9 de novembro, o farmacêutico Tarquínio Joslin dos Santos.  

Neves recebeu da Prefeitura de Foz do Iguaçu ao se emancipar o arruamento organizado pelo engenheiro Hans Marth para a tarefa. Marth, austríaco, era o mais qualificado faz-tudo da fronteira. Engenheiro, foi agrimensor e gerenciava a energia elétrica em Foz. 

Marth foi o responsável pelo traçado de praticamente todas as ruas situadas entre a Igreja de Santo Antônio e a atual Sete de Setembro, outrora avenida Moysés Lupion.

“O prefeito [José] Neves [Formighieri], para poder bem administrar a sede do seu município, precisava de uma planta específica. Solicitou então providências ao Estado, através dos órgãos competentes. Já sabendo que a CER-1 locara o eixo da Estratégica, atravessando o povoado de Cascavel, munindo-se de cadernetas de campo e das normas do DNER, o Estado projetou a primeira planta da cidade de Cascavel, nela estabelecendo a faixa de domínio federal de 60 metros [30 metros para cada lado do eixo da BR-277]” (Oscar Ramos Pereira).

Solução técnica requeria solução política 

Com a instalação do município, em 1952, seria necessário um novo quadro urbano, corrigindo as mudanças feitas depois do quadro original, de Hans Marth, e já abrangendo a área doada pelo Estado para formar o Patrimônio Novo (quadras a Leste da Rua Moysés Lupion, atual Sete de Setembro. 

Com habilidade, o prefeito de Cascavel abriu diálogo permanente com a Câmara, conquistou o apoio do governo e pediu inscrição na Associação Rural de Cascavel, entidade precursora do sindicalismo rural e do cooperativismo criada justamente por Tarquínio Santos em janeiro de 1953.  

O novo quadro urbano foi traçado pelo engenheiro Leão Trauczynski. Na planta que estabelecia a faixa de domínio federal de 60 metros já estava o embrião da futura Avenida Brasil, segundo Pereira: 

“Anos depois, quando a engenharia do Exército e o DNER resolveram retirar por meio de variantes de contorno a BR-277 dentro das cidades atravessadas por ela, é que se pensou, em Cascavel, em termos de uma grande avenida dentro daquela faixa abandonada”. 

Prefeituras projetam estrutura médica

Pode-se também considerar como embriões do polo médico de Cascavel a proposta de criar um posto de saúde do Estado em Cascavel, feita pelo vereador e enfermeiro Antônio Alves Massaneiro, e o Hospital Nossa Senhora Aparecida, do médico Wilson Joffre, que em 1953 também conquistou o apoio da Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu.

Desde 1936 Foz do Iguaçu cogitava criar um hospital municipal, mas só em 1952, dias antes da emancipação do distrito de Cascavel, a Prefeitura iniciou um movimento mais concreto nesse sentido. 

A Câmara Municipal aprovou lei autorizando o prefeito Francisco Guaraná de Menezes a adquirir ações da Sociedade Hospital Nossa Senhora Aparecida de Cascavel, até o valor de 50 mil cruzeiros.

Massaneiro propôs em Cascavel a criação de uma Taxa Hospitalar, a ser recolhida como auxílio do Município ao Hospital de Wilson Joffre “até que outros estabelecimentos congêneres venham a ser instalados”.

Foz do Iguaçu também criaria uma taxa hospitalar, mas sem privilegiar uma casa de saúde específica, até porque a taxa foi criada por um prefeito que era médico: Dirceu Lopes. Bancar hospitais públicos sempre foi pesado para as prefeituras. 

 

100 anos da revolução: Governo controlava eleições

O presidente Artur Bernardes, eleito em 1922 depois de bombardeado por fake news – cartas falsas que ele teria escrito ofendendo o Exército –, começou mal o governo porque o presidente Epitácio Pessoa acabara de humilhar o Clube Militar. 

As eleições de 1924, que renovariam a Câmara dos Deputados e um terço do Senado, foram convocadas em janeiro pelo Ministério da Justiça, que regulava o procedimento eleitoral. 

Em 1916 o presidente Wenceslau Brás, para evitar fraudes nas eleições, entregou ao Poder Judiciário o alistamento eleitoral, mas em 1924 ainda era o governo que regulava as normas de votação. Não havia Justiça Eleitoral.

As eleições foram marcadas para 17 de fevereiro em meio a dúvidas quanto ao sigilo do voto, à “degola” de candidaturas que desagradavam ao governo e o domínio do Executivo sobre o Legislativo.

Havia insatisfação popular com a economia e os militares estavam ressentidos com o governo. Bernardes teve o mandato confirmado por uma investigação do Congresso que legitimou o pleito, mas isso não o protegeu de ser atacado pelo tenentismo, conspiração de jovens oficiais.

Epitácio Pessoa venceu a queda de braço com os militares em 1922, mas em 1930 os apoiou

 

Fonte: Alceu Sperança

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