Rebeldes paraguaios, a reserva de mão de obra

O duro trabalho de carregar madeira às barrancas do Rio Paraná era facilitado no Porto Britânia pela gravidade, com canaletas deslizantes de mercadorias. Casal paraguaio a serviço da Maripá

A escassa mão de obra disponível na pequena Cascavel no fim da década de 1940 estava majoritariamente empregada na indústria rural – a extração e a serragem da madeira. Toledo e a companhia Maripá não podiam contar com ela, portanto.

A força de trabalho na vila se reduzia às famílias de prestadores se serviços, que atraíam parentes de outras regiões para aproveitar as oportunidades, que consistiam em ocupar chácaras junto às principais estradas e requerer terras devolutas no interior. 

Como já havia acontecido antes no Caixão (Cafelândia), as empresas colonizadoras aproveitavam a única mão de obra disponível: os descendentes dos mensus paraguaios coletores de erva-mate.

Os colonos vinham para trabalhar com todos os membros de suas famílias diretamente nas inúmeras tarefas necessárias à formação de uma produção rural diversificada. 

Foragidos do Sul ou de São Paulo que vinham se esconder no interior achavam ocupação como jagunços das colonizadoras ou mão de obra para serrarias e abertura de estradas, mas para prestar de serviços especializados às empresas era necessário atrair aventureiros de outras regiões que viessem por ambição e não para fugir da polícia.

Aventureiros como o carioca Argemiro Marujo dos Santos, órfão que cursava a escola de marinheiros no Rio de Janeiro quando viu no quadro de avisos uma pergunta: “Quem quer ir para Foz do Iguaçu?”

A enxuta Marinha da fronteira  

Uma ilustração das Cataratas convenceu Argemiro a fazer a viagem ao desconhecido. Do Rio, foi de trem (“Maria-Fumaça”) a São Paulo, onde esperou duas semanas por outro trem que o levaria a Ourinhos e de lá a Porto Epitácio.

Embarcado até Guaíra, porto do que jamais ouvira falar, surpreendeu-se com as Sete Quedas. De Guaíra, novo trecho de trem até Porto Mendes, onde embarcou no famoso navio argentino Cruz de Malta, que transportava erva-mate para a Argentina.

Ao chegar a Foz do Iguaçu, novo susto ao ver que não havia ali a cidade que imaginou: “Não estou vendo nada!” O que viu foi a barranca do Rio Paraná, o batalhão do Exército e a instalação da Marinha em uma velha casa de madeira.

“Na Marinha éramos eu, o comandante Pimentel, o capitão Mendes [que veio com Argemiro] e um artilheiro. No dia seguinte, o comandante me mandou buscar leite a cavalo na propriedade de um tal de Samek. Então vi o que era Foz do Iguaçu: uma casinha aqui, outra ali, mato por todo lado”.

A Marinha em Foz do Iguaçu só teve o efetivo aumentado, por meio do Corpo de Fuzileiros Navais, depois de um tumultuado incidente internacional: com o Paraguai praticamente em guerra civil, um grupo de paraguaios sequestrou um marinheiro do Brasil alcunhado “Alemão” e seu barco.

“O comandante Pimentel foi ao Paraguai negociar a devolução, mas nada conseguiu, então pediu reforço. No dia 7 de setembro de 1950 chegou o Corpo de Fuzileiros. Saltaram de paraquedas e tomaram conta do Rio Paraná” (Entrevista a Juvêncio Mazzarollo, 1994). 

Paraguaios sempre disponíveis

Eram raros, porém, chegarem aventureiros com a qualidade de Argemiro Marujo, estimado na fronteira e também em Cascavel pelos bailes que animava com seu pistom, integrando a banda Os Senhores do Samba, e pelo refinado futebol que jogou no Tuiuti Esporte Clube.

A melhor, mais barata, mais confiável e menos complicada força de trabalho estava em um exército de reserva de mão-de-obra sempre disponível: os trabalhadores paraguaios que fugiam da perseguição política em seu país depois da guerra civil de 1947.

A posse do presidente Federico Chaves naquele país deu início ao longo ciclo de poder do Partido Colorado, poucas vezes interrompido daí por diante. 

Com o Paraguai em crise econômica, inflação e estagnação produtiva, os trabalhadores especializados optavam por migrar para outros países. E com a perseguição aos opositores e a repressão os descontentes, muitos trabalhadores paraguaios se deslocaram ao Brasil, em fuga isolada ou com a família. 

Adolfo Ângelo Seganfredo, o chefe do escritório do braço madeireiro da colonizadora Maripá, não hesitava em recorrer a essa mão-de-obra fácil e disponível no lado de cá da fronteira, especialmente nas tarefas portuárias, passando madeira pelas barrancas do rio Paraná.

“(…) quando o serviço apurava, ele pedia mais gente, e dentro de 24 horas apresentavam-se mais 50 ou 100 paraguaios dispostos para o trabalho” (Ondy Niederauer, Toledo no Paraná).

Polcas e guarânias

Gaúcho de Veranópolís, nascido em 17 de setembro de 1919, Adolfo Seganfredo veio para fazer uma breve visita à região e foi recrutado por Willy Barth para onze anos de atuação na mais difícil tarefa do braço madeireiro da Maripá.

Designado para atuar no Porto Britânia, ele era o responsável por toda a estrutura que começava com a produção de toras, recepção e separação dos lotes de madeira para exportar, e a administração do pessoal: carregadores e motoristas. 

“A Maripá tentou executar os trabalhos do porto somente com trabalhadores brasileiros. Havia alguns em Toledo que eram empregados na roçada de beira de estrada, no empilhamento de tábuas nos depósitos e serrarias, infelizmente, porém, eles não resistiam e acabavam solicitando o retorno a Toledo” (Ondy Helio Niederauer).

Seganfredo chegou comandar mais de 300 homens envolvidos no carregamento de madeira, número inalcançável sem recorrer aos paraguaios, que, segundo Niederauer, “nunca provocavam algum elemento brasileiro, e somente brigavam com brasileiro quando eram desacatados”.

“Nas horas de lazer reuniam-se em torno de um violão, e, às vezes, até uma harpa aparecia. Em véspera de dia de folga, podia-se escutar suas polcas e outras músicas ao melodioso som das cantigas guaranis”.

A família de Marcelino Alegre, “bugre brasileiro”, segundo o historiador, fornecia o rancho aos paraguaios a serviço da Maripá. 

Sem imunidade

“Os paraguaios enfrentavam e resistiam com valentia e destemor o trabalho pesado que empreitavam, mas uma simples doença de criança podia ser-lhes fatal. (…) quando um deles contraiu sarampo, a doença rapidamente contaminou os demais” (Niederauer).

Nessa ocasião, um grupo de 26 paraguaios a serviço da Maripá adoeceu. Mesmo socorridos pelo médico Ernesto Dall’Oglio e pelo administrador Arthur Mazzaferro, sete deles morreram.  

A confiança dos colonizadores em contratar um número tão elevado de trabalhadores e investir em facilidades para os colonos estava lastreada na promessa do governador Moysés Lupion, que em campanha rumo ao Senado anunciou na Assembleia Estadual o programa Paraná Maior – conjunto de ações planificadas:

“Na consciência de nosso progresso encontramos a emulação para mais progresso, o entusiasmo para mais trabalho e a amálgama para essa união dos espíritos que faz hoje com que o Paraná se apresente como um conjunto coesíssimo, para o esforço de construção de sua grandeza”. 

Foi nesse tempo dinâmico, de trabalho intenso e confiança inabalável, que em 1949 um experiente conhecedor do interior paranaense foi designado para assumir as funções de subprefeito de Cascavel: Manoel Ludgero Pompeu.

Ao fixar residência em Cascavel, em 1949, Manoel Ludgero Pompeu (ver https://bit.ly/3I7kPFN) também assumiu o cargo de subprefeito do distrito, em lugar de Jeca Silvério. A família Pompeu se tornou um dos eixos da vitalidade cascavelense, ao lado dos Galafassi, Formighieri e outras famílias numerosas.

Vida de estradas

Comerciante e conselheiro municipal de Foz do Iguaçu (função na época equivalente à do atual vereador), Pompeu foi nomeado como intendente distrital em outubro de 1949.

Nessa função, abriu caminhos interligando regiões que estavam desconectadas diretamente, dependendo de trechos isolados de velhas estradas indígenas e ervateiras que uniam locais próximos, como áreas de concentração de erva-mate e postos de coleta dos fardos. 

Logo ao chegar, Pompeu fez a exploração, a locação e o desmatamento de toda a estrada que seguia de Cascavel ao Porto 1, no Rio Piquiri, passando por Melissa, Central Santa Cruz, Cafelândia, Iguaçuzinho e Nova Aurora, permitindo a primeira ligação por via rodoviária desta região com o Norte do Paraná, então inacessível.

“Juntamente com o falecido Pompeu, fiz a estrada que vai do Tamoio 1 até a Foz do Piquiri, no muque. Esta estrada que passa no Brasmadeira, na Melissa, Meia Lata, Central Santa Cruz, Bananeira, Cafelândia – cujo nome era Caixão –, depois Anta Gorda, Roda de Carro, fomos nós que abrimos” (Aladin de Souza Leal, Prisma Cascavel).

Aladin, o tarefeiro

Nascido em 1916 na localidade que no futuro seria a sede do Município de Ibema, Aladin desde 1927 conhecia a Encruzilhada dos Gomes, onde em 1930 Jeca Silvério começou a formar a cidade de Cascavel.

Ele trabalhou com Pompeu depois de ter sido guarda-linhas a serviço de Horácio Reis junto ao Arroio Marreco, onde havia um posto telefônico. 

Guarda territorial do Iguaçu, desempregado com o fim do Território Federal, foi incorporado por Manoel Pompeu aos trabalhos rodoviários de Cascavel.

Mesmo sem contar com qualquer tipo de máquina, Pompeu fez também a abertura da atual Rua Paraná, entre as Ruas Sete de Setembro e Rio Grande do Sul.

Com a instalação do Município de Cascavel, em 1952, Pompeu participou da gestão do prefeito José Neves Formighieri na abertura de ruas, estradas e com recursos próprios, em 1954, partiu do prolongamento da Avenida Carlos Gomes em direção ao Sul.

Abrindo picadas no sertão, encontrou a antiga linha telegráfica e chegou ao Rio Iguaçu, onde hoje se localiza o Município de Capitão Leônidas Marques, na primeira tentativa conhecida de ligar diretamente esta região ao Sul.

Fonte: Fonte não encontrada

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *