No final da década de 1950, os advogados Ezuel Portes, Geraldo de Andrade e Epiphânio Figueiredo tomavam café com o promotor Odilon Reinhardt em um bar central da ainda pequena Cascavel quando um robusto jagunço armado fixou os olhos no pequeno e magro Figueiredo, medindo-o de alto a baixo em sinal de desafio.
Reinhardt, que em 1964 seria eleito para a Prefeitura de Cascavel, perguntou: “Doutor, quem é esse sujeito?” Figueiredo disse que não conhecia: provavelmente alguém descontente com as sentenças que havia proferido quando foi juiz em Cascavel, entre 1954 e 1955. – Tomamos o café, saímos, e o jagunção saiu também para fazer suas empreitadas. Quando ele chegou perto de Toledo naquele mesmo dia, mataram o homem. Aí o dr. Ezuel falou assim: “Viram só o que aconteceu? O jagunço olhou para o dr. Epiphânio e morreu…”
Nascido no dia 25 de maio de 1921 em Ilhéus (Bahia), Epiphânio Alves de Figueiredo se formou em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Fundador da Associação dos Advogados de Maringá em junho de 1953, entidade da qual foi seu primeiro secretário, ele não imaginava que logo estaria enfrentando jagunços no Oeste paranaense.
Criada em dezembro de 1953, a Comarca de Cascavel era rejeitada pelos juízes designados para comandá-la pelos mais variados motivos: falta de escola para os filhos, deficiências estruturais da cidade, dificuldades de comunicação com a família… Mas o principal obstáculo era o medo dos jagunços armados, que dominavam a cidade.
Conterrâneo do juiz
Designado pelo Tribunal de Justiça do Estado pela ausência de juiz para oficializar um casamento em Cascavel, em 9 de julho de 1954 Epiphânio Figueiredo assumiu as funções de juiz substituto e uniu legalmente o casal Estanislau Schock e Terezinha Simioni.
Ao chegar, hospedou-se no Hotel Americano, próximo à lanchonete-padaria de dona Frida, sogra de João Lindolfo Deckmann, proprietário do futuro Cine Teatro Coliseu. Ali o recém-chegado Epiphânio se deparou com um homem que brandia um revólver e disparava para cima.
– Cheguei e perguntei quem era o delegado de polícia, no que alguém respondeu: “É aquele, lá”.
O chefe policial já se dirigia ao local e achou dona Frida desmaiada de medo.
– Dirigi-me ao delegado: “O senhor, por favor, prenda este homem”. Ele não sabia que eu era o juiz recém-chegado e que vim a Cascavel fazer um casamento para depois voltar.
O delegado respondeu: “Só farei a prisão com ordem expressa do juiz”.
– E eu retruquei: “Pode fazer a prisão. Eu sou o juiz”.
Instaurado o inquérito policial e feita a denúncia, o infrator compareceu ao Fórum e se declarou baiano como o juiz, “ao que respondi: Justiça, para ser boa, tem que começar em casa”.
Voltando a advogar
O conterrâneo do juiz fugiu da prisão e nunca mais foi visto em Cascavel. Alguns anos depois, visitando a cidade natal dos dois, Ilhéus, Figueiredo soube que o foragido contou a todos que só foi preso no Paraná por causa do juiz baiano.
Respeitado por enfrentar os jagunços, Figueiredo se integrou à comunidade e se distraía tomando a lição dos filhos dos serventuários do Fórum, Olímpio Gomes da Silva, o primeiro oficial de justiça da Comarca, e sua esposa, Pedrolina Maria do Pilar.
Desagradou meia cidade, porém, ao proibir o Carnaval de 1955 por conta da agitação reinante: assassinatos em série, explosão de questões fundiárias, jagunços em pé de guerra e levantes de posseiros. Nesse clima, supôs que foliões armados trariam o caos.
Nas funções de juiz em Cascavel desde 1954, em julho de 1955 Epiphânio foi promovido para Bela Vista do Paraíso e depois Pitanga. Em 1958 deixou a magistratura e escolheu a Cascavel dos jagunços para advogar.
“Ao voltar a Cascavel em 1958, encontrei uma cidade relativamente pacata, mas uma região muito agitada. Posseiros estavam sendo expulsos à força, e o resultado disso eram os assassinatos”.
O massacre dos pistoleiros
A falta de uma resposta do Estado à ação dos jagunços levou as famílias dos posseiros a se defender por conta própria ou recorrer aos advogados sem compromissos com o jaguncismo.
Em Esquina Memória, no interior de Cascavel, próxima a Toledo, havia uma família numerosa cujas terras eram cobiçadas pelos grileiros. Três irmãos dessa família, contou Epiphânio Figueiredo à revista Oeste, sabiam manejar armas muito bem. Haviam prestado o serviço militar e um deles chegou a sargento antes de retornar à propriedade rural da família.
Certa ocasião, os jagunços vieram comunicá-los de que deveriam abandonar a propriedade, que já teria outro dono. Se não saíssem pacificamente, seriam retirados à força. “Os irmãos não se atemorizaram e decidiram resistir”, contou Figueiredo.
“Quando os pistoleiros chegaram, encontraram uma moça da família estendendo roupa na frente da casa. Um dos bandidos pulou do jipe e começou a dizer uma porção de bobagens. A moça saiu correndo em direção a um lugar previamente marcado e o jagunço foi atrás dela. Só que não voltou mais. Outros membros do bando também foram também foram e igualmente não voltaram. Dessa incursão apenas dois retornaram à cidade e aqui ficaram, quietos como toucinho no sal”.
O crime do ex-juiz
Um dia, prossegue o relato de Figueiredo, “fui procurado por um amigo, que me apresentou os três irmãos”. Eles contaram tudo o que havia acontecido:
– Pois é, tivemos que matar os jagunços… O que vamos fazer agora?
“Eles haviam montado uma tocaia para eliminar os bandidos e a Polícia certamente haveria de investigar a mortandade”, disse Figueiredo.
Nesse momento o ex-juiz tomou uma decisão que manteve em segredo até seus últimos dias de vida.
“Sugeri que entregassem a chave da casa para o vizinho e se mandassem para o Rio Grande do Sul, a pretexto de visitar a avó doente. E me tragam o atestado dela, recomendei. Isso serviria de prova de que velha estivera hospitalizada. Eles foram, ficaram algum tempo e voltaram.
Trouxeram o atestado de óbito da avó”.
Como Epiphânio havia previsto, obviamente a Polícia investigou as mortes dos jagunços:
– O coronel [João Rodrigues da Silva] Lapa foi lá na Memória, pintou e bordou, mas não achou ninguém na casa. Ele entendia de balística e desconfiou que ali acontecera “alguma coisa diferente”, principalmente depois de ter encontrado uma bala ou cápsula de pistola Luger.
Lapa desconfiou de Figueiredo
Figueiredo e o coronel Lapa entraram em atrito por causa disso. “Ele não foi tão antijagunço quanto o pessoal esperava”, sustentou o ex-juiz.
“Era um grosseirão e dava ouvidos a intrigas”.
– O pessoal chegava e dizia: “Aquele lá é um bandidão”. Às vezes, tratava-se de um simples posseiro, mas Lapa reprimia do mesmo jeito. Um dia ele chegou e me disse: “Eu vou te desarmar!” – “A mim?”, indaguei, surpreso. Tinham botado na cabeça do delegado que eu portava uma pistola Luger, aquela que a SS alemã usava.
Lapa havia achado cápsulas dessa arma no local da eliminação dos jagunços em Esquina Memória. Sabendo que posseiros não tinham armas sofisticadas e que Figueiredo defendia os posseiros, suspeitou dele, mas jamais encontrou a arma.
Figueiredo só confessou, décadas depois, que deu o álibi à família de posseiros para se safar, mas continuou negando que possuía a famosa Luger.
Já em tempos de paz, foi procurador Jurídico do Município de Cascavel no período de 1982 a 1988. Casado com a professora Maria Tereza de Abreu, tiveram quatro filhos: Valéria (militar da Aeronáutica), Paulo (engenheiro agrícola), Cláudio (advogado) e Maria Thaís (jornalista).
Ele morreu em 16 de novembro de 1997. A rua que deveria homenageá-lo, no jardim Canadá, transversal à Rua Antônio Damian, foi oficializada erroneamente: o sobrenome “Alves” foi trocado por “Abreu”, de sua esposa Maria Tereza, falecida em 1985.
As histórias de Figueiredo e dos pistoleiros que enfrentou são contadas no livro Cascavel, a Justiça (https://x.gd/FzrFu), com muitas peripécias de juízes, promotores, advogados, réus e bandidos.
100 anos da revolução: Doloridas derrotas iniciais
Depois da Revolução Paulista, Dilermando de Assis passou o resto da vida se defendendo de ter menosprezado os revolucionários, mas pelo menos um de seus argumentos era irrefutável: os mapas e croquis disponíveis eram falhos:
“Colhendo informações de procedências diversas, fui compulsando vários elementos e cartas topográficas, organizando um mapa da zona onde devia operar e para onde pretendia seguir logo que as informações necessárias obtivesse, especialmente de Mato Grosso, pois as cartas que eu possuía estavam inteiramente erradas, inclusive mesmo as melhores do Paraná” (Nas Barrancas do Alto Paraná, https://x.gd/WxFqg).
É compreensível, assim, que desde 14 de setembro de 1924 ele passou a sofrer severas críticas, que repartia, timidamente, com o contato superior que tinha no Exército: o major Euclydes Figueiredo, destinatário de seus frequentes pedidos de homens e armamentos para a defesa de Guaíra.
O esforço foi em vão, mas os paranaenses, relatou o governador Caetano Munhoz, ainda não retornariam “para o repouso a que tinham direito”.
“A incursão dos rebeldes no Município da Foz do Iguaçu e em parte no de Guarapuava, reclamava ainda a cooperação dos nossos abnegados soldados na luta que ia se travar nas florestas do Paraná”.
Era uma forma indireta de dizer que as forças legalistas não conseguiram conter os revolucionários, mesmo já não sendo tantos.

Fonte: Alceu Sperança
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